19 dezembro, 2011

Carajás seria Estado com maior taxa de homicídios do Brasil

Erguidos em bairros modernos, repletos de churrascarias e agências bancárias, os quatro hotéis inaugurados nos últimos anos em Marabá, maior cidade do sudeste paraense, ostentam o vigor econômico da região, cuja ambição de se separar do Pará será posta à prova em plebiscito no próximo dia 11. Mas as fachadas envidraçadas que impressionam visitantes também escondem um lado sombrio da região que almeja se tornar o Estado dos Carajás: em cada um dos hotéis, seguranças circulam pelos saguões com pistolas na cintura, atentos a qualquer ameaça.
Estimulada a partir dos anos 1960 por obras em estradas federais e a mineração, a ocupação acelerada da região sudeste do Pará teve como efeito colateral a explosão dos índices de violência locais. Caso se torne um Estado, Carajás teria o maior índice de homicídios dolosos do Brasil: 68,1 para cada 100 mil habitantes. Hoje, o ranking de homicídios é liderado por Alagoas, com 66 casos por 100 mil moradores. A região abrigaria ainda três das dez cidades mais violentas do país: Marabá, Itupiranga e Goianésia do Pará.
A separação de Carajás, bem como da região oeste do Estado (que daria origem a Tapajós), será votada em plebiscito em todo o Pará no próximo dia 11.


Ausência de Estado
Para os partidários da separação, os altos índices de homicídios mostram que o governo paraense, sediado em Belém (a 485 km de Marabá), não tem condições de gerir apropriadamente todo o seu território. "A violência é um sintoma da ausência do Estado", diz à BBC Brasil o deputado federal Giovanni Queiroz (PDT), líder da frente pela emancipação de Carajás.
Segundo ele, a separação garantiria à região mais recursos para a segurança pública. Embora lamentem a fama que o sudeste paraense ganhou pela violência - e que rendeu à sua principal cidade o apelido de "Marabala" -, moradores locais preferem defender a separação com base nas peculiaridades da região e de seu potencial econômico.
O sudeste paraense concentra as maiores riquezas minerais do Estado, que, exploradas pela Vale, são responsáveis por 80% das exportações do Pará. Dentre elas, destaca-se o Projeto Grande Carajás, a maior jazida de minério de ferro do mundo. No entanto, moradores e políticos locais afirmam que a região não tira o devido proveito dessas riquezas, e que a separação aumentaria o controle sobre a mineração. Por outro lado, críticos da emancipação de Carajás afirmam que, caso ela ocorra, o poder econômico que a Vale exerce na região a transformaria em uma espécie de governo paralelo, desequilibrando o setor público. Procurada, a Vale não quis comentar qualquer assunto referente ao plebiscito no Pará.


Migrantes
Além de concentrar vastas riquezas naturais, o território que abrigaria Carajás se diferencia das demais regiões do Estado pelo perfil de sua população. Ao contrário do norte e do oeste do Pará, o sudeste abriga em sua maioria moradores nascidos em outros Estados, especialmente o Maranhão. Grande parte mudou-se para a região a partir dos anos 1960 para trabalhar na construção das rodovias Belém-Brasília e Transamazônica.
Nas décadas seguintes, novas levas de migrantes chegaram com a descoberta de ouro em Serra Pelada e o início do Projeto Grande Carajás. A acelerada ocupação, acompanhada pela destruição de vastas áreas de floresta e da expansão agropecuária, deu às principais áreas urbanas da região feição mais moderna e próspera do que a das cidades no norte e oeste do Pará, fundadas a partir do século 17 em antigas rotas fluviais.
Além disso, muitas tradições do norte paraense, como o consumo de açaí e o predomínio de peixes na alimentação, foram diluídas no sudeste do Estado, onde se consome muita carne e as feiras oferecem ingredientes comuns ao Centro-Oeste brasileiro, como os frutos do pequi.


Forasteiros
A preponderância de migrantes nos Carajás tem sido usada pela campanha contrária à separação. Adesivos em carros e mensagens ecoadas por carros de som em Belém dizem: "Não vamos deixar esses forasteiros levarem todas as nossas riquezas".
Mas moradores dos Carajás recusam a alcunha. "Forasteiro, que eu sei, é quem vem de fora, fica no máximo três meses, não produz nada e vai embora", afirma a comerciante Bachira Barakad, 45 anos. "Mas os forasteiros que nos acusam de ser estão aqui há 30, 40, 50 anos. São casados, têm filhos e netos em Marabá e ainda são considerados forasteiros?"
Nascida em Foz do Iguaçu (PR), ela se mudou com o marido para Marabá em 1983, para vender roupas aos mineradores que então chegavam aos montes. Teve filhos e netos na cidade e hoje é dona de uma lanchonete em sua rua mais valorizada, na orla do rio Tocantins. Barakad diz ser favorável à criação do Estado de Carajás porque, segundo ela, o governo em Belém não tem condições sequer de gerir a região no seu entorno. "O que Belém fez pelo seu desenvolvimento até hoje? Nada, e não quer que o resto do Pará faça".


Filão de ouro
Morador de Marabá desde 1988, o paulista Donizete Coelho, 56 anos, concorda e exalta o potencial econômico da região. "Aqui é uma terra ótima, um filão de ouro para quem quer trabalhar", diz. "Separando ou não, essa região deslancha." Coelho chegou a Marabá com o pai e cinco irmãos. Trabalhou na mineração e montou uma fazenda com a família. Segundo ele, a propriedade era tão lucrativa que até atraiu a atenção de autoridades, receosas de que a família estivesse envolvida em ilegalidades.
Hoje, dissipadas as suspeitas, diz ter construído um patrimônio milionário, sobretudo com investimentos no mercado imobiliário e em um açougue. E não pretende voltar a São Paulo. "Esta é a minha terra de coração. Só saio daqui morto ou se for da vontade de Deus".


Terra

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